Impulsionar o protagonismo feminino no campo é um grande desafio para as cooperativas agropecuárias. Dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro referentes a 2022 indicam que as mulheres representam somente 16% do quadro social geral nas cooperativas do ramo. Entre os dirigentes, a situação até é melhor, mas não por muito: elas representam 22% das lideranças.
A mineira Coopfam (Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região), que atua no setor cafeeiro, está liderando um movimento de mudança e inclusão das mulheres no campo com o projeto Mulheres Organizadas em Busca da Igualdade (MOBI).
O MOBI foi criado em 2006 para lidar com um problema diagnosticado ainda nos primeiros anos de operação da cooperativa: as trabalhadoras rurais produziam juntas com os esposos, mas não podiam desfrutar de uma série de benefícios, já que não tinham documentações de atividade rural.
Certa vez, a esposa de um cooperado ficou viúva e precisou regularizar seus documentos, a fim de se associar à cooperativa e dar seguimento aos negócios da família. Essa situação gerou uma onda de filiação das cafeicultoras. A partir daí o número de mulheres dentro da cooperativa cresceu e ganhou o nome de Mulheres Organizadas em Busca da Igualdade – o MOBI.
Fomentando o protagonismo feminino
“Na cooperativa temos um grupo que é composto apenas por mulheres e são discutidos programas de desenvolvimento rural, pessoal e profissional. Esse grupo foi formador de lideranças atuais e em gestões passadas, de forma que, temos nele um grande esteio para despertar nas mulheres a vontade de viver o cooperativismo em suas diversas faces e também participar do processo produtivo em suas lavouras em todas as etapas”, conta Renata de Fátima Pires Tavares, técnica do departamento socioambiental da Coopfam.
Dessa forma, por meio desse grupo, a cooperativa desenvolve projetos específicos para o desenvolvimento de equidade de gênero, protagonismo feminino dentro do campo e em espaços diversos dentro da sociedade.
A grande iniciativa de sucesso, nesse sentido, é a criação de uma linha específica de café feminino que valoriza o trabalho que a mulher desenvolve no campo e proporciona empoderamento financeiro e social para as produtoras cooperadas. Esses cafés foram servidos durante a Copa do Mundo de 2014, sediada no Brasil, assim como nas Olimpíadas do Rio de Janeiro, em 2016.
“Hoje contamos com um maior número de mulheres em todas as áreas relacionadas a nossa cooperativa”, revela Fátima. Para ela, ao dar protagonismo às mulheres, a Coopfam engaja as famílias no cooperativismo, o que afeta positivamente o processo de sucessão familiar das propriedades.
“Socialmente, esses temas são de grande importância, pois estamos trabalhando com grupos minoritários e empoderando as mulheres do campo em busca da realização de diversos sonhos que são pensados por cada uma delas”, complementa a técnica. A cooperativa conta com 523 cooperados, dentre os quais 89 são mulheres.
Em 2018, o café feminino produzido pelo MOBI recebeu menção honrosa no concurso Saberes e Sabores, organizado pela ONU. No ano seguinte, Vânia Lúcia Pereira da Silva tomou posse como a primeira presidente mulher da Coopfam.
Mulheres cooperativistas
“Vemos o orgulho que nossas cooperadas sentem ao produzir um café que considera a inserção delas no processo. Essa é, sem dúvidas, nossa maior conquista”, diz Fátima ao discorrer sobre o sucesso do MOBI.
Fátima relata que, com frequência, as mulheres se identificavam somente como ajudantes de seus maridos na atividade agrária. Com isso, elas ficavam alheias ao processo produtivo e pouco participavam da vida financeira das propriedades. As mulheres se viam como donas de casa, e não como profissionais do campo.
Até mesmo as mulheres que estavam à frente dos negócios de suas propriedades não se viam como empreendedoras e produtoras de café. “A baixa autoestima causada por uma sociedade que oprime os sonhos e desejos das mulheres, sobretudo das mulheres rurais, deu espaço a um lugar de fala que somente mulheres da roça sabem contar”, descreve.
“Estourar as correntes do patriarcado, romper com a ideia de estigma que permeia a mulher rural e lutar por espaço e visibilidade do trabalho na zona rural são pautas do nosso trabalho para desenvolvimento de todas as cooperadas, além do lado financeiro que não é menos importante, pois, empoderar financeiramente as mulheres é critério básico de progresso para todos os outros tipos de desenvolvimento que a humanidade pode exercer”, conclui Fátima.