Painel brasileiro da COP 26 destaca avanços em práticas agrícolas que preservam o meio ambiente sem abrir mão da produtividade.
Pesquisadores e gestores públicos brasileiros levaram para a Escócia a experiência de projetos que otimizaram o uso da terra, ao mesmo tempo em que potencializaram a atividade agropecuária. O objetivo é aproveitar a 26ª edição da Conferência das Partes, em Glasgow, para mostrar que o Brasil é uma potência agroambiental. Sem as inovações, o país precisaria de três vezes mais áreas para a agricultura e pecuária do que utiliza atualmente.
“A ciência e a tecnologia nos ajudaram a poupar muita terra nos últimos anos. Só na cadeia agrícola da soja, poupamos o equivalente aos territórios de Irlanda e Itália juntos”, destacou o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Celso Moretti, durante o painel “Agricultura Sustentável como Caminho para a Preservação Ambiental: o efeito poupa terra”, transmitido de forma simultânea de estandes na Escócia e no Brasil.
No contexto mundial, os gestores lembraram que até a década de 70 a agricultura brasileira estava focada na produção de café e cana, concentrada nas regiões Sul e Sudeste, com dificuldades para produzir fertilizantes e enfrentar a pobreza rural. Nos anos 90 e 2000, a pesquisa, a ciência e as políticas públicas possibilitaram avanços em termos de competitividade e sustentabilidade, preparando os produtores para os horizontes da multifuncionalidade e da bioeconomia, tendências em todo o planeta.
O diretor-executivo de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa, Guy Capdeville, conta que um dos grandes desafios enfrentados pelos produtores brasileiros foi o climático. Assim como outros países em desenvolvimento, o país está no cinturão dos trópicos e possui grandes áreas com solos ácidos, como o Cerrado. No entanto, em cinco décadas, os investimentos em tecnologia ajudaram o agronegócio a expandir suas atividades pelo país.
“As pesquisas científicas nos possibilitaram um agro agressivo, poderoso e empreendedor, capaz de transformar solos ácidos e pobres em solos férteis. Tropicalizamos o cultivo de milho e trigo. Desenvolvemos tecnologias que podem ser exportadas para vários países, principalmente para países africanos”, ressaltou Capdeville, que chamou a atenção para o papel da Embrapa nesses avanços. A empresa pública possui 43 centros de pesquisa e 8 mil funcionários, sendo cerca de 2 mil deles pesquisadores.
POUPA TERRA
Entre as chamadas tecnologias “poupa terra” desenvolvidas pela Embrapa estão a integração da lavoura, pecuária e floresta, o plantio direto na palha e a produção de bactérias liberadoras de fósforo (fertilizante natural). Os agropecuaristas também foram orientados pelos técnicos da empresa a adotar práticas para implementar a pecuária de carne carbono neutro, baseada no plantio para compensar as emissões de carbono geradas pela criação de bovinos.
Programas de zoneamento de risco climático e melhoramento de solos contribuíram para reduzir a extensão de áreas agrícolas utilizadas, assim como o melhoramento genético, a recuperação de pastagens e o controle de doenças. De acordo com a Embrapa, de 2004 a 2019, a área ocupada pela pecuária de corte subiu de 204 milhões para 213 milhões de hectares. Sem tecnologia, esse número seria quase três vezes maior.
No caso da soja, a ciência e tecnologia poupou cerca de 71 milhões de hectares. O setor produz 250 milhões de toneladas em 65 milhões de hectares, uma produtividade média de 3,2 mil quilos por hectare. No setor de cultivo de frutos, a produtividade entre a década de 90 e 2018 aumentou 64%, com um efeito poupa terra de 1 milhão de hectares.
Entre as tecnologias aplicadas estão o aumento do manejo integrado, o adensamento do plantio, o manejo da água e o combate às pragas. Elas possibilitaram, por exemplo, que 30% de todo o algodão certificado no mundo seja brasileiro, ainda que a produção do país corresponda a apenas 10% da produção mundial.
CERRADO VIVO
“O produtor rural alimenta o futuro. E o Brasil tem um papel importante para apoiar o desenvolvimento sustentável no mundo”, defende o assessor técnico da Diretoria de Assistência Técnica e Gerencial do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), Rafael Diego Costa.
Ele apresentou, na COP26, o projeto ABC Cerrado, que apoiou agricultores que vivem no bioma a agregar novas tecnologias aos métodos tradicionais. Cerca de 7,8 mil produtores rurais participaram das atividades de formação. Em três anos, o projeto conseguiu ampliar a oferta de alimentos, diversificar a geração de renda e promover a conservação do bioma da região.
O Cerrado também foi o foco do Programa Rural Sustentável do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), realizado em parceria com o governo federal, o Banco Mundial e o fundo do governo britânico. Cerca de 40 mil produtores e 42 organizações socioprodutivas foram beneficiados com a assistência técnica e extensão rural.
O estímulo ao associativismo foi um dos pilares do programa. As ações resultaram em um aumento de sete vezes na produtividade e na reconversão de áreas degradadas. De acordo com o diretor presidente do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS), Luís Tadeu Assad, no início do projeto, apenas 17% dos agricultores adotavam práticas inovadoras. Ao final das atividades formativas, 91% deles manifestaram interesse em dar continuidade à aplicação de novas tecnologias.
“Todos esses dados mostram que somos uma potência agrícola sustentável. O investimento em ciência e tecnologia é essencial”, considera o secretário adjunto da Secretaria de Inovação, Desenvolvimento Rural e Inovação no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Cleber Soares. “Não adianta ter ciência e tecnologia se ela não chegar no produtor. Por isso adotamos ações concretas. Estamos certos de que a agricultura descarbonizante vai contribuir para o futuro da humanidade.”