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28/11/2023

Como a Dedo de Gente utiliza o artesanato para formar cidadãos

Gerar oportunidades de desenvolvimento humano e profissional para jovens a partir de 16 anos, comprometidos com os valores da cultura local e o meio ambiente. Esse é o mote que levou à fundação da cooperativa social mineira Dedo de Gente, em 1996. O projeto nasceu como consequência de um processo educativo iniciado há 40 anos pelo Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), liderado pelo educador Tião Rocha.

“Hoje a Dedo de Gente é uma cooperativa geradora de oportunidades de trabalho e renda para jovens, dentro de um processo educativo, libertador e criativo. O trabalho é realizado de maneira a prepará-los para o mercado ou para conduzirem seus próprios empreendimentos de forma solidária”, explica Claudia Santos, coordenadora pedagógica da cooperativa.

Atualmente, a cooperativa está presente nas cidades de Curvelo e Araçui, ambas no Estado de Minas Gerais, onde ficam suas lojas. A Dedo de Gente estimula o desenvolvimento por meio da manufatura e trabalha nas seguintes frentes:

  • Fabriqueta de Doce: produz doces, geleias e licores. 
  • Fabriqueta da Serralheria: fabrica escultura de ferro, escultura de sucata, réplica de animais, peças decorativas e utilitárias. 
  • Fabriqueta da Cartonagem: cria caixas para presente, cartões, telhas pintadas, luminárias e adornos.
  • Fabriqueta de Jardinagem: cultiva mudas decorativas e mantém terrários. 

“Alicerçada nos pilares de compromisso ambiental, todos os produtos da cooperativa são idealizados com a matéria prima de nossa região. Reaproveitar e reciclar são práticas constantes”, explica Claudia.

Outro pilar é a satisfação econômica da juventude engajada nos projetos da cooperativa. Nesse contexto, todo o dinheiro arrecadado com a venda dos produtos confeccionados pelos jovens retorna para eles. 

“O foco da cooperativa é o protagonismo dos jovens, valores humanos e compromisso ambiental. O objetivo é estabelecer um sistema de autogestão profissional, eficiente, alegre e transformador, permanentemente educativo”, acrescenta a coordenadora pedagógica. 

Cultura e sustentabilidade

A cooperativa Dedo de Gente reúne um portfólio com mais de 10 mil produtos criados e confeccionados pelos jovens. A criação dos produtos leva em conta a valorização da cultura local e a valorização das raízes comunitárias. Claudia explica como esse processo funciona:

“As receitas de doces, geleias e licores dos frutos do cerrado vão sendo inventadas, testadas e, depois de aprovadas, são disponibilizadas para venda. Recolhemos terras de várias partes da nossa cidade, aproveitando a gama das variações das cores e transformando-as em tinta de terra. Com elas fazemos cartões, caixas, pintamos adornos e levamos a cor do nosso sertão em nossos produtos”.  

Guimarães Rosa, um dos escritores mais importantes da literatura brasileira, usou o sertão mineiro como cenário de suas obras, como o clássico “Grande Sertão: Veredas”. Como grande difusor da cultura local, seus personagens são homenageados no artesanato produzido pela Dedo de Gente. 

“Quando nos referimos às raízes culturais, estamos nos referindo à nossa origem, ou seja, a forma como a cultura do nosso povo foi construída. Por isso nossas inspirações vêm muito das obras de Guimarães Rosa, pois ele retrata a vida simples do homem do campo. Não é que queremos viver do passado, mas manter viva a história da construção ou da criação da cultura do nosso povo”, acrescenta Claudia. 

O volume de produção da cooperativa varia de acordo com a participação em feiras e exposições. Em média, 500 peças são manufaturadas por mês, construídas com foco na sustentabilidade e colocando a economia circular em prática.

“Nossa produção sustentável começa na escolha de nossa matéria prima. Utilizamos sucata, refugo, terra, frutos da época. Desde a escolha da matéria prima, a forma de fazer, o não desperdício, tudo isso já virou cultura na Dedo de Gente. Queremos continuar atendendo às demandas atuais sem deixar de lado a preocupação com o planeta. Quando reutilizamos uma sucata estamos prolongando a vida útil dos produtos matérias-primas, reinserindo-os em novas cadeias produtivas”, diz Claudia.   

A cooperativa também lidera um movimento visando desencorajar o uso de gaiolas para aprisionar pássaros. Para isso, a Dedo de Gente recicla resíduos de suas fabriquetas para produzir casas de passarinho, além de ninhos e comedouros. “Nosso sonho é que todos aprendam a cuidar dos passarinhos sem prendê-los.” 

Comunidade e empreendedorismo jovem

No decorrer de toda a sua história de 27 anos, a Dedo de Gente desenvolve o trabalho direcionado ao desenvolvimento humano e profissional. Unindo a educação e o trabalho manual, a cooperativa transmite habilidades e princípios para guiar a vida, explica a coordenadora pedagógica:

“À medida que o jovem assume um compromisso de fazer e entregar um produto em determinada data e o consegue fazer, ele está adquirindo o valor da responsabilidade. Quando ele chega no horário combinado, planeja e executa, ele está adquirindo prontidão. Quando ele tem acesso a tudo, material, maquinário, produtos acabados e respeita, ele está adquirindo o valor da honestidade. Quando ele consegue ouvir o outro falando na roda, esperando a sua vez de falar, ele está adquirindo o valor do respeito”. 

Dessa forma, a Dedo de Gente atua visando estimular a curiosidade, a atenção e a vontade de aprender sobre o novo a partir de três pilares:

  • Aprender a fazer: é quando os jovens descobrem as suas habilidades pessoais. Depois disso, o desenvolvimento delas é estimulado através da prática. As competências aprendidas e aprimoradas nesta etapa não se resumem às capacidades profissionais, mas também às qualificações importantes para toda a vida, como o trabalho em equipe. 
  • Aprender a conviver: ponto onde os jovens aprendem mais sobre a convivência mútua e o desenvolvimento em grupo. Aprimoram o conhecimento sobre as pessoas, suas suas histórias, costumes, e gostos usando uma metodologia pedagógica centrada na diminuição de conflitos oriundos das divergências de opinião. 
  • Aprender a ser: aqui os valores como respeito, responsabilidade, ética, sensibilidade são levados a sério. O importante é ter consciência de quem se é, assim como saber seu papel e como agir diante das mais diferentes pessoas com as quais se convive ao longo da vida. 

Construção da cidadania

Por meio dessa jornada de transformação, os jovens passam a contribuir também para o progresso de suas comunidades. Leonardo Matos, de 21 anos, trabalha na Fabriqueta da Serralheria da Dedo de Gente, e conta ao Cooperação Ambiental qual foi o papel da cooperativa em sua vida:

“Minha mãe e eu batemos em muitas portas procurando emprego. Graças a Deus, a Dedo de Gente me recebeu de braços abertos, mesmo sabendo o que eu passei, o que eu tinha feito de errado. Descobri que minha vida não tinha terminado. Encontrei um lugar que me acolheu e me mostrou um outro lado da vida. Hoje considero a Dedo de Gente minha segunda família. Aqui sou valorizado pelo que estou me tornando. Já sei fazer muita coisa e sinto uma felicidade muito grande quando vejo alguém elogiando uma peça que fiz”.

O número de jovens que atuam na cooperativa varia com o tempo. No momento, são 50. Claudia Santos aponta que a Dedo de Gente é uma escola de protagonismo juvenil:

“O jovem quando se sente preparado segue abrindo o seu próprio empreendimento muitas vezes com o modelo do cooperativismo, outros vão para o mercado de trabalho com uma boa bagagem sabendo trabalhar em equipe e dando seu máximo no desenvolvimento de novas habilidades”, conclui.